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Cento e tantos dias

Eu estou quebrado. Na verdade, estou estilhaçado.

Hoje eu consigo ver todos os meus pedaços espalhados por aí. Sendo pisoteados, chutados e varridos em meio a poeira da escuridão.

Eu mesmo me quebrei.

Percebi que estava ruim como um alimento vencido, fazia mal mas, mesmo assim, continuei.

Me arrependi.

E como o arrependimento é doloroso. Isso prova o quanto eu não sou fiel a mim mesmo. Pois, cometer erros, falhas seguidamente catastróficas, mostra que não tenho capacidade de fazer o óbvio e o mínimo.

Agora a minha dor é proporcional.

A mente está com os pilares fracos, finos e falsos.

Sustentando mais peso a cada dia, derivados da culpa que nunca dorme, de uma tristeza que nunca some e uma saudade que nunca morre.

O corpo falha. Está cheio. Transborda. Me sinto gasto, velho, passado. As vezes nem sinto.

Tudo se arrasta. Da água ao pão. Do ódio às lágrimas. Do pensamento à fala. Das palavras ao silêncio. Da paz ao desespero.

E eu desisti porque compreendi.

Não corri. Não liguei. Não me mostrei. E sei que falhei. Porém, aceitei a verdade que não gosto de lembrar mas é impossível esquecer.

Sofro silenciosamente e, desse jeito, sempre sofrerei.

Eu me isolei. Me tranquei por aqui. Mas fui obrigado, não foi opção. Uma consequência da condição. E é claro que isso não é toda a história.

Eu já estive quebrado antes. Aliás, só me lembro de viver assim.

Tudo de bom que vivi, parece que não estive lá, que não existi. Tudo está caindo. Memórias desmoronando. Sentimentos se desmontando. Um amontoado de destroços que estão me remoldando.

Como se eu sempre fizesse parte da mesma forma a longos anos.

Mas, de fato, estou no mesmo lugar. Estagnado fisicamente e preso mentalmente.

Estou só, exatamente como imaginei que estaria quando estivesse perto do fim.

Isso não deveria surpreender quem se esconde. Não deveria assustar quem usa a sombra como abrigo.

Mas eu podia sair e me iluminar. Podia olhar pela janela e ver um sol nascendo e se pondo. Havia a esperança da luz porque eu podia caminhar até lá.

Agora, não importa a hora ou onde estou, o mundo inteiro se apagou.

Deito, durmo e sonho em acordar e não estar mais nesse pesadelo. Eu vivo no medo. Escondo segredos. Minto a mim mesmo cada vez que a solidão me lembra do meu tormento.

Será que eu também sentirei alívio algum dia antes de morrer, como você?

Sabe, o peso que puxava tudo para o fundo, que impedia de voar, está lúcido agora, mas ainda não deixa de ser um peso. Ancorado. Afastado.

Fui esquecido e concordo com isso.

Mas...

Meus olhos abriram depois da pancada. Cai e, no chão, permaneci. Vi o céu ir do azul ao vermelho e levantei em frente a um espelho. Me vi cru, feio e denso. Mas me encarei, olhei fundo o suficiente para encontrar outras versões de mim. E uma delas eu escolhi.

Por centenas de vezes eu virei a ampulheta e risquei os dias num calendário que nem era deste ano. Mas não importava, eu segui o plano. Mesmo me arrastando, cheguei do outro lado, atravessei a corrente e, a cada dia, entendo que o rumo da vida é um só, seguir em frente.

E estou ciente de tudo o que fiz. Toda essa bagagem estará comigo, como um mochileiro cheio de conceitos andando sozinho na estrada, visitando as lembranças mas sem levar mais nada.

Vou me lapidar. Remover o peso interno e alheio. Vou diminuir e expandir. Desmontar e construir.

Cercar e depois fugir. Talvez voltar, talvez ficar, talvez sumir, sei lá.

Não vou encontrar um lugar, mas me encontrar nos lugares. Me tornar um clichê excêntrico. Um parênteses do eixo. Direcionando o vento, escrevendo o segmento, acompanhado eternamente pelas linhas do tempo.

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